Nomes que perduram: Citroën DS
O sapo que virou príncipe
DISSE-ME uma vez um amigo vendedor de uma marca concorrente, meio a sério, meio a brincar, que a Citroën se tinha tornado na «marca branca» da Peugeot; ao que inquiri como é que um construtor que tinha oferecido um tão popular quanto robusto 2CV, ou um tão avançado para o seu tempo DS, algum dia poderia ser olhada dessa maneira!
Foi «remédio santo» como se costuma dizer…
Porque se há carro clássico que ainda se mantenha actual em muitos aspectos, esse automóvel é o «boca de sapo». Assim ficou o DS conhecido em Portugal devido à sua frente original, ainda que de desajeitado ou feio nada tivesse…
A HISTÓRIA começa quando a marca francesa se decide a substituir, após a 2.ª Grande Guerra, outro modelo criado antes do conflito e também muito popular no seu tempo, além de revolucionário em muitos aspectos: o Traction Avant, mais conhecido como «Arrastadeira». Nomes fantásticos como se vê!
Não foi um parto fácil porque a sua concepção demorou mais do que o previsto. Por um lado, a responsabilidade de criar um carro ainda mais avançado do que o Traction Avant, por outro porque a Citröen estava muito concentrada na produção e desenvolvimento de outro automóvel que rapidamente se tornaria um sucesso, o célebre 2CV.
NOS FINAIS da década de 40 começaram a desenvolver-se vários projectos do que seria o futuro DS — impõe-se desde já um desvio, para explicar que a designação DS se deve ao facto de em francês se pronunciar «deésse» que significa «Deusa» —, mas só em 1955 seria apresentado ao público no Salão Automóvel de Paris. Nesse entretanto, uma equipa liderada por André Lefebvre, o engenheiro aeronáutico responsável pelos dois outros êxitos atrás referidos, tinha conseguido revolucionar grande parte dos conhecimentos mecânicos até aí existentes…
O CADERNO de encargos do novo modelo era simples mas exigente: tinha que ser singularmente espaçoso, possuir extraordinárias capacidades dinâmicas e, não menos importante, correspondendo à tradição do construtor, ser excepcionalmente confortável.
O resultado foi tão inovador e surpreendente que todos os seus concorrentes correram o sério risco de se tornarem obsoletos: a inspiração aeronáutica esteve bem presente na carroçaria em forma de gota criada por Bertoni — o que ainda hje faz dele uma referência aerodinâmica —, o tejadilho era feito em plástico reforçado com fibra de vidro e o espaço interior para os ocupantes é espantoso, muito por obra e graça da ausência do vão para passagem do eixo, na época usual em carros de motor dianteiro e tracção traseira.
OLHANDO para a sua carroçaria, vários pontos saltam à vista: uma frente muito longa e afilada, devido à colocação do motor atrás do eixo dianteiro, tecto descaído que termina numa traseira curta e, principalmente, rodas posteriores parcialmente cobertas.
Mas o seu maior segredo — ou se quisermos o que mais revolucionou e viria a marcar toda a história do construtor gaulês —, não estava à vista: uma ousada e eficaz suspensão hidropneumática, curiosamente concebida por um técnico inglês, que lhe mantêm a altura ao solo praticamente constante, independentemente do peso ou da posição do que transportasse. Proporciona ainda a selecção de três níveis de altura em relação ao solo — o mais baixo apenas para estradas com bom piso e as restantes para estradas piores ou para trocar de pneu. Esta é outra das suas inovações: dispensando o uso do tradicional «macaco», basta elevar ao máximo a suspensão, colocar um calço junto ao pneu a trocar e voltar a baixar a suspensão para a roda ficar no ar. Simples mas engenhoso, além de que, como a maioria do peso se concentra predominantemente na dianteira, o veículo pode circular sem a roda traseira oposta à da posição de condução!...
MAS SE muitas outras inovações o tornam avançado no seu tempo — reparem na colocação elevada dos piscas traseiros tão usual hoje em dia —, dos comandos hidráulicos da embraiagem, da direcção e da caixa de velocidades — comandada por pequenos toques num manípulo como as actuais caixas automáticas sequenciais —, ou até do sistema de travagem que já dispunha de discos dianteiros e de um duplo circuito hidráulico sensível à carga a bordo, construído para que, mesmo avariando, permita o recurso a um outro mecânico, a verdade é que a Deusa pecava num aspecto: no capitulo das motorizações.
O ESTUDO, concepção, desenvolvimento e posterior produção do DS foi lento e oneroso, pelo que, quando chegou à altura da definição dos motores colocou-se uma grande questão: ou se desenvolvia uma motorização inteiramente nova, que acarretaria mais custos e mais testes, ou se recorria, com a devida actualização, a motores já existentes «na casa». Mesmo assim foram ensaiados motores de seis cilindros arrefecidos a ar e a água e até um quatro cilindros, dotado de compressor, qualquer deles a colocarem sérias dúvidas quanto à sua fiabilidade mecânica. A escolha para o lançamento acabaria por recair num já utilizado na Arrastadeira, que, devidamente «modernizado», garantia uma potência de 75 cv graças a um carburador de corpo duplo. Os 140 km/h de velocidade máxima não o deixava mal visto face à concorrência, para além de que a suas capacidades aerodinâmicas e mecânicas faziam o resto.
MANTEVE-SE em produção até Abril de 1975, conhecendo inúmeras versões de carroçaria — desde um belíssimo quanto raro descapotável até às tão apreciadas carrinhas, muito usuais nos anos 60, como ambulâncias —, variados motores e teve um importante papel não apenas como viatura de Estado — Charles De Gaulle saiu ileso de um atentado quando seguia a bordo de um DS que escapou aos tiros com um dos pneus traseiros furados… —, como na competição automóvel, onde obteve inúmeros êxitos em cenários tão diversos como os ralis europeus ou africanos. Para além de uma vitória no célebre Rali de Monte Carlo, em Portugal ficou particularmente famoso por ter vencido o Rali TAP-Portugal de 1969, tripulado por Francisco Romãozinho.
DISSE-ME uma vez um amigo vendedor de uma marca concorrente, meio a sério, meio a brincar, que a Citroën se tinha tornado na «marca branca» da Peugeot; ao que inquiri como é que um construtor que tinha oferecido um tão popular quanto robusto 2CV, ou um tão avançado para o seu tempo DS, algum dia poderia ser olhada dessa maneira!
Foi «remédio santo» como se costuma dizer…
Porque se há carro clássico que ainda se mantenha actual em muitos aspectos, esse automóvel é o «boca de sapo». Assim ficou o DS conhecido em Portugal devido à sua frente original, ainda que de desajeitado ou feio nada tivesse…
A HISTÓRIA começa quando a marca francesa se decide a substituir, após a 2.ª Grande Guerra, outro modelo criado antes do conflito e também muito popular no seu tempo, além de revolucionário em muitos aspectos: o Traction Avant, mais conhecido como «Arrastadeira». Nomes fantásticos como se vê!
Não foi um parto fácil porque a sua concepção demorou mais do que o previsto. Por um lado, a responsabilidade de criar um carro ainda mais avançado do que o Traction Avant, por outro porque a Citröen estava muito concentrada na produção e desenvolvimento de outro automóvel que rapidamente se tornaria um sucesso, o célebre 2CV.
NOS FINAIS da década de 40 começaram a desenvolver-se vários projectos do que seria o futuro DS — impõe-se desde já um desvio, para explicar que a designação DS se deve ao facto de em francês se pronunciar «deésse» que significa «Deusa» —, mas só em 1955 seria apresentado ao público no Salão Automóvel de Paris. Nesse entretanto, uma equipa liderada por André Lefebvre, o engenheiro aeronáutico responsável pelos dois outros êxitos atrás referidos, tinha conseguido revolucionar grande parte dos conhecimentos mecânicos até aí existentes…
O CADERNO de encargos do novo modelo era simples mas exigente: tinha que ser singularmente espaçoso, possuir extraordinárias capacidades dinâmicas e, não menos importante, correspondendo à tradição do construtor, ser excepcionalmente confortável.
O resultado foi tão inovador e surpreendente que todos os seus concorrentes correram o sério risco de se tornarem obsoletos: a inspiração aeronáutica esteve bem presente na carroçaria em forma de gota criada por Bertoni — o que ainda hje faz dele uma referência aerodinâmica —, o tejadilho era feito em plástico reforçado com fibra de vidro e o espaço interior para os ocupantes é espantoso, muito por obra e graça da ausência do vão para passagem do eixo, na época usual em carros de motor dianteiro e tracção traseira.
OLHANDO para a sua carroçaria, vários pontos saltam à vista: uma frente muito longa e afilada, devido à colocação do motor atrás do eixo dianteiro, tecto descaído que termina numa traseira curta e, principalmente, rodas posteriores parcialmente cobertas.
Mas o seu maior segredo — ou se quisermos o que mais revolucionou e viria a marcar toda a história do construtor gaulês —, não estava à vista: uma ousada e eficaz suspensão hidropneumática, curiosamente concebida por um técnico inglês, que lhe mantêm a altura ao solo praticamente constante, independentemente do peso ou da posição do que transportasse. Proporciona ainda a selecção de três níveis de altura em relação ao solo — o mais baixo apenas para estradas com bom piso e as restantes para estradas piores ou para trocar de pneu. Esta é outra das suas inovações: dispensando o uso do tradicional «macaco», basta elevar ao máximo a suspensão, colocar um calço junto ao pneu a trocar e voltar a baixar a suspensão para a roda ficar no ar. Simples mas engenhoso, além de que, como a maioria do peso se concentra predominantemente na dianteira, o veículo pode circular sem a roda traseira oposta à da posição de condução!...
MAS SE muitas outras inovações o tornam avançado no seu tempo — reparem na colocação elevada dos piscas traseiros tão usual hoje em dia —, dos comandos hidráulicos da embraiagem, da direcção e da caixa de velocidades — comandada por pequenos toques num manípulo como as actuais caixas automáticas sequenciais —, ou até do sistema de travagem que já dispunha de discos dianteiros e de um duplo circuito hidráulico sensível à carga a bordo, construído para que, mesmo avariando, permita o recurso a um outro mecânico, a verdade é que a Deusa pecava num aspecto: no capitulo das motorizações.
O ESTUDO, concepção, desenvolvimento e posterior produção do DS foi lento e oneroso, pelo que, quando chegou à altura da definição dos motores colocou-se uma grande questão: ou se desenvolvia uma motorização inteiramente nova, que acarretaria mais custos e mais testes, ou se recorria, com a devida actualização, a motores já existentes «na casa». Mesmo assim foram ensaiados motores de seis cilindros arrefecidos a ar e a água e até um quatro cilindros, dotado de compressor, qualquer deles a colocarem sérias dúvidas quanto à sua fiabilidade mecânica. A escolha para o lançamento acabaria por recair num já utilizado na Arrastadeira, que, devidamente «modernizado», garantia uma potência de 75 cv graças a um carburador de corpo duplo. Os 140 km/h de velocidade máxima não o deixava mal visto face à concorrência, para além de que a suas capacidades aerodinâmicas e mecânicas faziam o resto.
MANTEVE-SE em produção até Abril de 1975, conhecendo inúmeras versões de carroçaria — desde um belíssimo quanto raro descapotável até às tão apreciadas carrinhas, muito usuais nos anos 60, como ambulâncias —, variados motores e teve um importante papel não apenas como viatura de Estado — Charles De Gaulle saiu ileso de um atentado quando seguia a bordo de um DS que escapou aos tiros com um dos pneus traseiros furados… —, como na competição automóvel, onde obteve inúmeros êxitos em cenários tão diversos como os ralis europeus ou africanos. Para além de uma vitória no célebre Rali de Monte Carlo, em Portugal ficou particularmente famoso por ter vencido o Rali TAP-Portugal de 1969, tripulado por Francisco Romãozinho.
Boa tarde
ResponderEliminarCreio que existe alguma imprecisão neste artigo. Antes do DS, houve o ID, (conhecido como ID19), não foi?