VW: O carro que o povo amou
Para conhecer a história daquele que é o mais emblemático carro da marca alemã, um dos modelos mais populares e mais produzidos de sempre, é preciso falar do seu criador, um dos maiores génios da indústria automóvel: Ferdinand Porsche.
Mas aquele que foi o responsável por alguns dos mais importantes avanços da engenharia mecânica teria porém de esperar até ao fim dos seus dias para ver sair da fábrica um carro com o seu nome estampado na carroçaria.
Em Março de 1948, os focos do Salão Internacional de Genebra incidiram sobre um elegante carro de desporto.
Muito poucos augurariam a carreira de sucesso que a marca com o nome do seu fundador viria a conhecer.
No entanto, o criador daquele carro construído quase artesanalmente, a partir de peças, muitas delas em segunda mão, do Volkswagen Type 1, celebrizado como VW Beetle, era o homem a quem a indústria automóvel europeia devia alguns dos mais importantes avanços do sector.
O automóvel em exposição era um veículo de linhas apuradas e aerodinâmicas, com dois lugares e motor central. A promoção dizia que tanto servia para transportar um homem de negócios como, com algumas pequenas modificações, ser utilizado em competição.
No dia 12 de Outubro de 1936 foram entregues ao Governo alemão três protótipos prontos para entrarem em fase de testes, que iriam decorrer ao longo de 500 mil quilómetros.
Entretanto, o esforço da recuperação alemã, da I Grande Guerra e da recessão europeia, dava os seus frutos.
Mais do que instalações e maquinaria, não via onde a Alemanha teria capacidade para formar tão rapidamente trabalhadores especializados, nomeadamente engenheiros...
Voltou aos EUA para aliciar técnicos alemães imigrados e seus descendentes. A visita, permitiu-lhe voltar a apreciar os métodos e máquinas utilizados pelos americanos, além de lhe proporcionar um dos maiores prazeres da sua vida, como confessaria: o encontro com Henry Ford, outro mago da indústria automóvel e que, como Porsche, acreditava na democratização do automóvel.
Mas Ford, como muitos dirigentes da indústria automóvel americana, não acreditava no projecto Volkswagen.
Inevitavelmente isso viria a acontecer.
O pouco que tinha sido construído durante a guerra, foi utilizado para a construção de equipamento militar. Apenas algumas viaturas de estrada foram acabadas e destinadas às chefias militares e a graduados do partido nazi.
A variante militar deu posteriormente lugar a uma versão anfíbia, em 1942.
O maior problema eram as precárias condições de vida dos estrangeiros (sobretudo os da parte oriental da Europa), antes operários à força, agora famílias destroçadas com casa destruída nos seus países de origem.
EM 1950, já liberto e de novo a viver na Áustria, Ferdinand Porsche foi autorizado a visitar a Alemanha.
Faleceu em Estugarda, a 30 de Janeiro de 1951.
O automóvel em exposição era um veículo de linhas apuradas e aerodinâmicas, com dois lugares e motor central. A promoção dizia que tanto servia para transportar um homem de negócios como, com algumas pequenas modificações, ser utilizado em competição.
O primeiro Porsche, mais tarde conhecido como 356, conhecia assim as luzes da ribalta; para um homem em especial, era o corolário de uma carreira recheada de êxitos.
Mas quem era este homem acusado de colaboracionista nazi no final da II Guerra Mundial?
Obstinado e criativo
FERDINAND PORSCHE nasceu a 3 de Setembro de 1875 no norte da Boémia.
A capacidade criadora herdou-a do pai, modesto funileiro conhecido pela perfeição do seu trabalho.
Autodidacta assumido, Ferdinand passou pela escola industrial. Mas foi uns diversas empresas mecânicas e eléctricas, onde, desde muito novo, começou a trabalhar, e nas fortuitas aulas da universidade a que assistia ilegalmente, que foi adquirindo conhecimentos de engenharia.
Estes conhecimentos abriram-lhes as portas para ser aceite junto dos pequenos construtores de automóveis austríacos, país onde então já vivia.
Desde logo, começou por impor soluções técnicas arrojadas, nomeadamente a nível da transmissão.
Já na Alemanha, os sucessos alcançados na competição — primeiro com o Mercedes Kompressor, depois com o Auto Union de motor multiválvulas e uma engenhosa e eficaz suspensão —, deram ao professor Porsche, como passou a ser conhecido, uma grande reputação como projectista.
Mas em paralelo ao seu trabalho para os grandes construtores alemães, o professor ia criando esboços e ensaiando, sempre que possível, várias soluções técnicas.
Ele acreditava firmemente que o havia um grande futuro reservado para os carros de pequenas dimensões.
Um futuro em que todos poderiam ambicionar em ter um automóvel.
O conterrâneo austríaco
POR ISSO, quando em 1933 Adolf Hitler, conterrâneo austríaco de Ferdinand Porsche, lhe pediu a concepção de um carro para o povo, o projecto já estava em desenvolvimento na cabeça de Porsche e em dezenas de rabiscos.
O único óbice era o preço final do carro que o Führer impunha: no máximo 1000 marcos.
A primeira reacção de Porsche foi recusar o convite.
Não o disse logo, mas não vislumbrava forma de conseguir alcançar um valor tão baixo, mesmo num carro simples, construído em grandes quantidades.
As outras exigências não constituíam problema: robustez, consumo económico, velocidade razoável, arrefecimento a ar, manutenção fácil e barata.
Afinal, eram princípios que já estavam presentes no carro que Porsche já tinha proposto, primeiro à Zundapp e depois à NSU.
Por isso, a versão final do desenho do Volkswagen assemelhar-se-ia não apenas a este último modelo, como recorria também a algumas soluções e elementos aí aplicados.
Desafio aceite
Para um engenheiro apaixonado por automóveis que acreditava no direito de todos poderem ter um carro, o desafio era irresistível.
Depois, quem podia dizer não a um homem que estava a recuperar o orgulho e a moral do povo alemão?
Na altura, a guerra e tudo o que dela adveio era algo impensável.
Apesar de não confiar totalmente nas pretensões do ditador alemão, o professor aceitou desenvolver o projecto.
Um ano depois, a 3 de Março de 1934, na sessão de abertura da Exposição Internacional de Automóveis e Motocicletas de Berlim, Hitler anunciou, num inflamado discurso político, o desejo do seu Governo de construir um carro acessível.
E vinha também a ordem para que os diversos fabricantes de automóveis alemães fornecessem o apoio e as peças necessárias para o futuro automóvel, única forma de se conseguir um preço de custo que não excedesse os 900 marcos…
A Ferdinand Porsche foi dado um período ridiculamente curto de dez meses para construir e desenvolver três protótipos.
A reacção dos outros fabricantes de automóveis foi de total descrença.
A reacção dos outros fabricantes de automóveis foi de total descrença.
Mas a ordem do Führer para prestarem toda a assistência necessária era clara e, tal como Porsche, quem ousava contradizê-lo.
Uma ordem que desagradava também ao professor.
Os protótipos acabaram por demorar muito mais tempo. Não só porque Porsche estava também envolvido no projecto de desenvolvimento do carro de corridas da Auto Union, como também porque havia indefinição quanto ao motor a utilizar.
Dois ou quatro cilindros?
Um ano passou.
Mas em 1935, de novo na abertura do Salão Automóvel de Berlim, Hitler voltava a referir-se ao projecto.
Pela primeira vez tinha nome: Volkswagen, o "carro do povo".
E contudo, um ano depois naquele local, as palavras do ditador já provocavam o esboçar de vários sorrisos e até suspiros de alívio da parte dos donos das maiores fábricas alemãs de automóveis.
Cada vez mais os desejos de Hitler ou a capacidade de os concretizar fazia menos sentido.
E no entanto...
No entanto os princípios gerais do VoIkswagen já estavam definidos.
Porsche decidiu que o motor, por causa dos custos e dos consumos, seria arrefecido a água, teria quatro cilindros e cerca de 995 cc.
Mas o preço continuava a ser uma dor de cabeça para o professor.
A solução para o problema, considerava Porsche, só podia assentar em métodos mais modernos de produção que conseguissem reduzir os custos de produção.
Como a produção em série aplicada por Henry Ford no seu Modelo T nos Estados Unidos da América.
Por isso, Ferdinand Porsche atravessou o Atlântico para perceber como transpor isso para a produção do Volkswagen Type 1.
E com aquilo que viu no Novo Continente, o professor ficou de facto com a impressão que os desejos de Hitler poderiam ser realizados.
Ainda que obrigasse a vultuosos investimentos em maquinaria e à aplicação de novos métodos de produção.
Um símbolo da Alemanha Nazi
No dia 12 de Outubro de 1936 foram entregues ao Governo alemão três protótipos prontos para entrarem em fase de testes, que iriam decorrer ao longo de 500 mil quilómetros.
No final dos ensaios o relatório referia:
"as características gerais da construção do carro provaram preencher o fim em vista. O comportamento geral foi satisfatório. (...) O consumo permaneceu dentro dos limites. (...) Baseado nestas observações, parece aconselhável considerar a continuação do desenvolvimento do carro"
Perante isto, faltava apenas retocar pequenas falhas detectadas ao longo dos testes, aperfeiçoar o desenho final e encontrar formas de realmente conseguir produzir o carro com custos controlados.
Dois factores abonavam a favor deste último ponto: o veículo estar desenhado de maneira a que certas peças utilizadas noutros modelos pudessem ser aplicadas, e um empenho muito forte de Hitler, que o levou inclusive, a criar entraves à produção de um veículo de características semelhantes que a Opel apresentou no Salão de 1937.
De novo no discurso de inauguração da exposição de 1937, quando Hitler disse que estavam em curso os últimos preparativos para iniciar o fabrico do Volkswagen, os senhores da indústria privada gelaram.
O engenho criativo de um homem e a loucura megalómana de outro podiam vir a ser uma séria ameaça ao reinado da poderosa indústria automóvel germânica.
E ainda que todos os indícios já estivessem presentes, muito poucos ainda acreditavam que dois anos depois a Alemanha estaria envolvida em novo conflito bélico à escala mundial.
Os três protótipos produzidos seguiram para as instalações da Daimler-Benz após concluírem os primeiros testes.
Foram produzidos mais trinta protótipos, com os aperfeiçoamentos que os ensaios iniciais sugeriram e com acabamentos mais cuidados, nomeadamente a nível da chaparia.
Seguiu-se uma nova série de ensaios, alguns em circunstâncias particularmente adversas.
Para proceder à recolha e análise dos dados, Porsche escolheu o filho, Ferdinand como o pai, mais conhecido por "Ferry".
Entretanto, o esforço da recuperação alemã, da I Grande Guerra e da recessão europeia, dava os seus frutos.
Restabelecida a confiança do povo, a fábrica do Volkswagen permitiria vir a empregar, na sua capacidade máxima — um milhão de carros por ano —, cerca de trinta mil operários alemães.
Mas a megalomania do projecto continuava a assustar o professor Porsche.
Mas a megalomania do projecto continuava a assustar o professor Porsche.
Mais do que instalações e maquinaria, não via onde a Alemanha teria capacidade para formar tão rapidamente trabalhadores especializados, nomeadamente engenheiros...
Voltou aos EUA para aliciar técnicos alemães imigrados e seus descendentes. A visita, permitiu-lhe voltar a apreciar os métodos e máquinas utilizados pelos americanos, além de lhe proporcionar um dos maiores prazeres da sua vida, como confessaria: o encontro com Henry Ford, outro mago da indústria automóvel e que, como Porsche, acreditava na democratização do automóvel.
Mas Ford, como muitos dirigentes da indústria automóvel americana, não acreditava no projecto Volkswagen.
Para os alemães, contudo, a viagem foi bastante produtiva; tanto na escolha de maquinaria como no aliciamento de quadros.
Tinha uma localização central, possuía boas vias de comunicação e dispunha de espaço para a construção de uma cidade com 90 mil habitantes e futuras ampliações.
Ficou decidida venda directa dos carros, para evitar que o lucro da intermediação agravasse o preço final.
A 26 de Maio de 1938 foi implantada a primeira pedra do edifício. Hitler já tinha anexado a Áustria nessa altura.
Quatro meses marcharia sobre a Checoslováquia.
Ferdinand Porsche recebeu uma condecoração nacional.
Porém, até então nunca tinha estado comprometido com qualquer projecto bélico. Ou antecipara sequer uma utilização militar do Volkswagen.
Inevitavelmente isso viria a acontecer.
A ordem directa do ditador alemão obrigou Porsche a proceder a algumas alterações no Volkswagen, aumentando a cilindrada para 1134 cc, reformulando a direcção, reforçando o chassis e a suspensão.
A carroçaria, blindada, passou a ser aberta e com quatro portas.
Terminava o ano de 1938, quando uma viatura militar foi entregue ao departamento de guerra para ser aprovada.
A reacção das altas patentes militares foi de inteiro desagrado, por não possuir tracção total, ser pequena e com motor refrigerado a ar.
Hitler insistiu. Alguns modelos foram experimentados no teatro de guerra da Polónia.
Mas um pedido específico do Estado-Maior do Exército Alemão deu o impulso decisivo.
Na expectativa do que iria acontecer e de modo a que fosse possível produzir, em simultâneo, a versão civil e a de guerra, Porsche redesenhou partes do Volkswagen, para que este pudesse receber as mesmas especificações do veículo militar.
O general Rommel seria o primeiro oficial do Exército germânico a pedir expressamente o modelo.
Inicialmente para as campanhas no Norte da França, depois para o Norte de África.
A "raposa do deserto" considerava-o ideal para suportar não só os maus-tratos infringidos pelos condutores, como para enfrentar as contrariedades do deserto.
Também na frente oriental, no frio gelado das estepes russas, o carro acabou por se revelar o mais indicado: o motor, refrigerado a ar, não congelava.
Por isso, quando os alemães se retiraram em debandada do Norte de África, tiveram o cuidado de destruir as viaturas abandonadas.
Tinham finalmente compreendido o seu valor.
O fim do nazismo e a prisão de Porsche
O pouco que tinha sido construído durante a guerra, foi utilizado para a construção de equipamento militar. Apenas algumas viaturas de estrada foram acabadas e destinadas às chefias militares e a graduados do partido nazi.A variante militar deu posteriormente lugar a uma versão anfíbia, em 1942.
O génio mecânico do professor Porsche acabaria por ser posto ao serviço das vontades dos senhores da guerra. Do seu estirador saíram alguns tanques de assalto.
Com o aproximar dos dias do estertor final de um regime sanguinário, grassava a confusão em Wolfsburg.
A fábrica tornou-se um alvo privilegiado dos raids aéreos aliados. O que não foi destruído pela guerra, acabou por ser saqueado por alguns operários-prisioneiros, recrutados à força nos países ocupados, após a fuga dos guardas alemães.
Uma semana tardou até à chegada das tropas americanas ao local. Surpreendidos, depararam com alguns alemães a falarem em inglês com o seu sotaque; eram os engenheiros técnicos que tinham vindo dos Estados Unidos.
No início de 1945, Porsche e a sua equipa retiram-se para o Sul da Áustria. Foi aí que os aliados o encontram e o colocam em prisão domiciliária.
Interrogado, o professor predispôs-se a revelar o que conhecia dos segredos alemães.
Interrogado, o professor predispôs-se a revelar o que conhecia dos segredos alemães.
A necessidade de reparar os seus próprios veículos e de possuir mais para tarefas civis, incentivou a recuperação de alguns sectores menos destruídos da fábrica.
O maior problema eram as precárias condições de vida dos estrangeiros (sobretudo os da parte oriental da Europa), antes operários à força, agora famílias destroçadas com casa destruída nos seus países de origem.
As tropas aliadas compreenderam então a importância da recuperação da fábrica.
A oferta de emprego e de um salário era decisiva para conter a desordem civil. A produção do Volkswagen foi gradualmente aumentando, consoante os sectores da fábrica iam sendo recuperados e a matéria-prima permitia.
Começaram as exportações de carros para vários países europeus.
Até 1949, ano em que a fábrica transitou das mãos das forças de ocupação britânica para o Governo alemão, tinham sido construídos mais de quarenta mil unidades.
Só nesse ano, foram construídas mais 46 000 unidades.
De símbolo da guerra a carro da Paz
EM 1950, já liberto e de novo a viver na Áustria, Ferdinand Porsche foi autorizado a visitar a Alemanha.Ao transpor a fronteira, acompanhado pelo seu filho Ferry, o professor não conteve as lágrimas ao contar o número de carros que tinha feito nascer.
Faleceu em Estugarda, a 30 de Janeiro de 1951.
A 5 de Agosto de 1955, com pompa e circunstância, saía da linha de montagem da Volkswagen em Wolfsburgo a unidade um milhão!
Os cerca de 22 milhões de unidades, tornam o Volkswagen o mais produzido de sempre.
Para ironia do destino, este carro, nascido durante o maior e mais sangrento conflito que o Mundo conheceu, acabaria por se tornar num dos símbolos da geração hippie e dos seus ideais de paz!
E definitivamente seria também consagrado como um carro para o povo.
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