Ralis, anos 80: Grupo B

Monstros do asfalto!

TRÊS CARROS dominaram o panorama do Mundial dos Ralis nos anos 80: Audi Quattro, Lancia 037 ou Delta S4 e Peugeot 205 T16. Outros houve como o MG Metro 6R4, o Renault R5 Turbo ou o Ford RS 200, mas coube aos primeiros o papel de destaque na conquista de títulos mundiais de pilotos e marcas. Para o melhor e para o pior os acidentes mortais com estas máquinas levaram a que fossem banidas das estradas , todos eles marcaram uma época de ouro nas competições automóveis e representam o expoente máximo da categoria.

FIZERAM PARTE do que se convencionou designar como «Grupo B»: fabulosas máquinas, equipadas com potentes motores acima dos 500 cv, geralmente de colocação central (atrás dos pilotos) e tracção integral permanente, que faziam valer uma fantástica relação peso/potência graças ao uso de carroçarias em fibra e ao recurso a materiais em liga leve em diversos componentes mecânicos. Chegaram a ser considerados verdadeiros Fórmulas 1 da estrada; eram tão sofisticados que apenas nas suas formas se assemelhavam aos modelos à disposição do condutor comum e, para que se possa perceber as suas fantásticas capacidades dinâmicas, em 1986, o Lancia Delta S4 de Henri Toivonen, com o seu co-piloto a bordo, «perdeu» menos de 2 segundos para a pole position de Ayrton Senna no GP de Fórmula 1 desse ano...

O PROBLEMA é que potências tão elevadas e capacidades dinâmicas muito acima do que os habituais percursos dos ralis o permitiam, acabaram por inevitavelmente levar a aparatosos acidentes com consequências mortais para pilotos e espectadores. O caso mais conhecido em Portugal foi o de Joaquim Santos, em Sintra, com o Ford RS 200 (a morte de três espectadores levaria mesmo ao abandono dos pilotos de fábrica por alegadas razões de segurança), internacionalmente os de Ari Vatanen com um Peugeot 205 T16 na Argentina e de Henri Toivonen com um Lancia Delta S4, que vitimaria também o seu co-piloto. Mas afinal o que eram exactamente estes veículos, três dos quais permitindo às respectivas marcas capitalizar um importante retorno em termos de imagem?
O regulamento desportivo do organismo que superintende o desporto automóvel, estabelecia uma classe própria para carros de Grande Turismo com um mínimo de dois lugares, exigindo uma produção de apenas 200 unidades em 12 meses consecutivos; o que permitia aos principais construtores a produção em pequena série de caros e sofisticados veículos, exclusivamente destinados à competição.

MAS FALEMOS um pouco mais em pormenor de cada um dos três mosqueteiros inicialmente referidos. Comecemos pelo mais antigo, o panzer Audi Quattro, o primeiro carro de rali a recorrer à tracção integral e que faria uma verdadeira razia nas competições em que participava, alcançando inúmeras vitórias e o campeonato em 1982. Curiosamente, este modelo seria concebido a partir de um chassis inicialmente projectado para ser um jipe da VW, mas a sua capacidade de condução e manobra levaram os engenheiros da marca a equacionarem a concepção de um veículo desportivo que pudesse devolver o prestígio de que careciam desde o tempo da Auto Union e desse modo impedir a contínua dissolução da marca dentro do grupo VW. Recorrendo a muitos componentes do Audi 80 e do VW Passat, o Quattro, com 200 cv de potência, debutaria nas pistas no Mundial de 80 e não tardaria a chegar às vitórias, sobretudo através de um nome que ficaria para sempre associado ao modelo: Michèle Mouton, uma francesa que se tornaria na primeira mulher a vencer uma prova do mundial de ralis.
Mas, se 82 consagraria o carro alemão como campeão, o ano seguinte seria suplantado por um Lancia, mais do que projectado para a competição e inacessível ao comum dos mortais. Mas já lá vamos.
Em 1984, a Audi ressurge na contenda com um renovado Quattro, desta feita designado Sport. Mais curto entre eixos, sempre com a tão famosa quanto simples e fiável tracção integral, definitivamente mais leve e com cerca de 500 cv de potência, venceria o Mundial de Pilotos e o de Construtores desse ano.
O Audi Quattro não apenas alcançaria todos os objectivos de prestígio e autonomia para que fora concebido, como acabara por criara um novo mito: ainda hoje, Quattro e S1 designam as versões mais desportivas e desejadas do construtor.

LOGO NO ANO SEGUINTE, em 1985, um novo carro se impôs na categoria: o muito mais pequeno, leve e ágil Peugeot 205, não apenas destronaria o alemão, como iniciaria, para o construtor francês, uma campanha desportiva que ainda hoje se mantém, quer nos ralis, quer nas provas de velocidade. O 205 T16 era genialmente simples, com chassis tubular, motor central e tracção integral, vencendo logo na sua terceira participação no mundial de ralis. O motor era multi-válvulas com 1,8 litros e turbo, debitando somente 440 cv, mas a sua posição central permitia ao conjunto uma óptima repartição de pesos, além de que o condutor dispunha de uma série de controlos que lhe permitiam optimizar o comportamento do veículo a cada situação de terreno. Uma versão melhorada e ainda mais potente garantiria o segundo título no ano seguinte (e o último da categoria), mas, mais importante do que tudo, durante algum tempo o 205 tornar-se-ia não apenas o carro mais produzido e exportado de França (só recentemente o 207 suplantaria os números de produção), como ainda hoje é desejado pelos amantes de clássicos, nas suas mais «civilizadas» versões desportivas designadas GTI. Sem esquecer que o 205 foi um dos mais bonitos descapotáveis da sua geração e que, versões construídas a partir do T16, continuariam uma brilhante carreira no Rali Paris-Dakar.

DOS TRÊS, falta apenas referir o italiano. O Delta S4 de competição é o descendente directo do 037 (de si já «descendente» do Stratos), e seria, daquela geração de modelos de Grupo B, o único a continuar carreira depois da Federação Internacional ter impedido que se mantivessem em competição.
O Delta S4 surgiu em 1985, resultado do trabalho da Abarth, a empresa que tradicionalmente prepara as versões desportivas do grupo Fiat. Se o 037 tinha sido o primeiro carro feito especificamente para o Grupo B, em 1983, o facto de apenas possuir tracção traseira e dispor de motores que, nas suas versões mais potentes, se quedaram pelos 350 cv (o que não o impediu de alcançar o título em 1983), o Delta S4 (do modelo de estrada só exteriormente se assemelhava) possuía um motor 1.8 a desenvolver 480 cv. Com a curiosa particularidade de utilizar, em simultâneo, um compressor mecânico e um turbocompressor, uma tecnologia semelhante à que muito recentemente o grupo VW voltou a utilizar, por garantir não apenas uma linearidade bastante ampla do binário máximo, como uma entrega mais rápida da potência nos diversos regimes.
O S4 venceria a primeira prova de 1986 e só não conseguiu o Mundial desse ano, devido ao abalo da equipa com o acidente mortal de Toivonen. Nunca seria campeão do Mundo, já que no ano seguinte não poderia competir devido ao fim do grupo B, mas a versão mais «civilizada» alcançaria, no grupo A (minimo de quatro lugares e produção de pelo menos 5000 unidades/ano), um predomínio que se estenderia a meados dos anos 90. Só em 1989, o Lancia Delta HF Integralle (o Integralle deve-se à tracção integral «herdada» do S4) venceria 10 das 11 provas, o que diz bem da sua competência. Alcançaria o seu sexto e último título em 1992, mesmo se, durante algum tempo, continuaria a ser o único capaz de se bater com a armada Toyota que impunha cada vez mais o seu Celica. Em 1994 deixaria de ser produzida esta versão (entretanto já tinha surgido uma nova geração), mas, para os amantes da marca e em especial do Delta, não há amor como o primeiro: HF de Alta Fidelidade, não a som mas a um conceito de exclusividade, Integralle pela garantia de sensações únicas; vermelho-sangue ou branco com decoração Martini tanto faz...

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